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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Escrever sobre viagens em 1958

"... parecia haver uma pergunta nos espíritos de quem escreve sobre livros de viagens: quem os lê, os que ficam em casa ou os que se aventuram a ir avante? Assumindo que tais categorias definem dois tipos de temperamento, e que muitos viajantes potenciais são impedidos de consumarem o seu desejo de ver o mundo somente pela força das circunstâncias, a minha suposição é a de que o público dos livros de viagens é quase em exclusivo composto pelos que se aventuram a ir avante - aqueles que foram e aqueles que esperam ir - mas hoje em dia composto, infelizmente, por apenas uma pequena percentagem deles.
Ainda há um século, a viagem era uma actividade especializada. Estando os lugares distantes fora do alcance de todos menos de uma minoria de felizardos e resistentes, era normal que o desejo de contactar com o exótico fosse satisfeito por delegação através da leitura. Agora quem em teoria toda a gente pode ir a todo o lado, o livro de viagens serve um objectivo diferente; a ênfase passou do local para o efeito do local sobre a pessoa. O livro de viagens tornou-se necessariamente mais subjectivo, mais "literário". Mas isso tende a privar o escritor de viagens do seu leitor natural. Quem se aventura a ir avante tem uma inclinação para ser extrovertido, para desprezar a experiência em segunda mão. Se ele for até à América do Sul - ainda que apenas sonhe em ir lá - não está ávido em conhecer desde logo as impressões de Isherwood acerca desta. Ele quer um volume conciso de dados relativos à História, ao clima, aos costumes e aos pontos de interesse em cada república. Está até vagamente consciente de haver decidido formar as suas próprias impressões, e que se dane o que mais alguém sentiu quando se encontrou face a face com o Aconcágua.
O que é um livro de viagens? Para mim é uma história daquilo que aconteceu a uma pessoa num local particular, e nada mais que isso; não contém informação sobre hotéis e autoestradas, listas de frases úteis, estatísticas ou conselhos sobre o tipo de roupa de que necessitará o possível visitante. Poderá suceder que tais livros formem uma categoria que esteja destinada à extinção. Espero que não, pois não há nada que eu mais aprecie que ler uma descrição exacta feita por um escritor inteligente daquilo que lhe aconteceu quando estava longe de casa."

Paul Bowles, Viagens

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