Após tantos dramas, aterrámos sãos e salvos em Varanasi. Ao nosso lado, no avião, vinha um arquitecto português, com quem dividimos um táxi até à cidade, após uns 15 minutos de negociação moderada entre mim e ele (que o Kico está proibido de fazer negócios) e que mesmo assim nos custou os olhos da cara.
O aeroporto é a uma hora de viagem, por uma estrada surreal e, de repente, chegamos a um caos total e o homem quer largar-nos ali - agora orientem-se que os vossos hotéis são para aí. Eu, rodeada de dois machos, não vou de modas, começo a fazer um chinfrim, o Kico ameaça que vai tirar fotografias à matrícula e lá conseguimos que ele nos largue um pouco mais à frente. Ainda assim, foi necessário um rickshaw para encontrarmos o hotel que havíamos seleccionado como nº. 1 na nossa árdua pesquisa. Ganga Love é um pequenino hotel, com o essencial. Nada de luxos, mas já tínhamos percebido que aqui ia ser difícil, aceitámos o valor (não assim tão essencial) e pedimos alguma coisa para comer. A cozinheira/sócia é australiana e fez-nos umas panquecas de banana e uns batidos divinais.
Já não era cedo, estávamos cansados e excitados para conhecer a cidade e por isso, o dono do hotel arranjou-nos um passeio de barco nocturno para vermos os rituais, que começam às 18h. Fiquei completamente fascinada com isto. Varanasi é a cidade mais sagrada do Hinduísmo. Muitos hindus vêm cá apenas para se banharem no Ganges e acreditam que morrer aqui traz a salvação. Por isso, as famílias trazem os corpos dos seus familiares, que queimam junto ao rio, e afogam.
As cores da cidade são todas! Laranjas, encarnados, amarelos, cinzentos. Mas, por ser uma das cidades mais antigas do Mundo, encontra-se meio destruída. Os palácios encontram-se abandonados, alguns hotéis são ruínas. Ainda assim, eu estava pasmada com a beleza da cidade, vista do rio. Vinha um bocado expectante sobre o que ia encontrar - que cheiros iria sentir, se o rio era muito sujo, se iria ver corpos mortos a boiar. Quando passámos nos locais onde os corpos são cremados, não chegámos a perceber bem o que se passava - o barqueiro falava tal mal inglês e indicávamos tudo como holy ou shiva temple, que ficámos sem aprender nada. Só quando chegámos ao hotel e falámos com a Carrie é que percebemos que, de facto, aquelas fogueiras enormes que víramos, tinham mesmo um corpo a arder. É absolutamente indescritível o que se vê e o que se sente. Acho que esta cidade deve tocar cada pessoa de uma maneira diferente. Para mim, lembrou-me a Inquisição... e meteu medo!
Mas a morte é encarada de uma forma tão diferente que, penso, devemos ver isto como uma celebração bonita. Ainda assim, quando ela nos contou que o filho mais velho tem que cortar o escalpe dos pais antes de os queimar... dá que pensar! Os barcos aglomeram-se todos no rio, de frente para dois dos Ghats principais, enquanto uns Sadhus cantam e fazem umas celebrações referentes aos elementos da natureza. Há gente de todo o lado, mas particularmente indianos. As velas são lançadas dos barcos, para trazer boa sorte, e o rio fica cheio de luz. É bonito de se ver!
Após o passeio de barco, jantámos no nosso hotel. O Santosh, o dono, cozinhou-nos a melhor comida que já comi cá - um caril de ovo e batatas. Só que o hotel é um bocado freestyle demais para nós - não podemos comer quando queremos, só na hora marcada por ele (que basicamente é quando lhe apetece), não nos servem à mesa, tentam sempre intrujar-nos mais um bocadinho para gastar mais dinheiro... Ainda ao jantar, ficou todo ofendido porque eu DETESTO lentilhas, roubou um cigarro ao Kico, sem sequer pedir e apagou-nos a luz quando estávamos ainda a fumar um cigarro depois do jantar:
- You can stay there.
... A malta aqui é meia passada!
E tem uma desvantagem enorme, além de não estar virado para o Ganges, que é estar colado a uma fábrica de têxteis que trabalha até tardíssimo. Em frente da nossa janela, os miúdos brincam com o lixo, macacos passeiam-nos na varanda e volta e meia somos despertados por cânticos (essa parte é linda!)
Só para ficar a ideia, o Kico filmou (no escuro) para se ouvir o som! Aqui
Decidimos a vivenciar os cultos da cidade, acordámos com as galinhas - aliás, antes delas. Às 6 já nós estávamos de pé, ainda nem o sol tinha saído da toca. As vacas dormiam, os cães dormiam, e aqui e ali passava um ou outro homem, em modo zombie. Acabámos por aguardar um pouco mais e esperar que houvesse algum movimento na cidade e caminhámos até ao Assi Ghat. Aí havia um concerto (bem matinal) de sitara e taabla. Muita malta shanti balançava a cabecinha e nós decidimos ir dar uma voltinha.
Passado duas horas eu já estava com a volta ao estômago. Nunca, mas mesmo nunca, na minha vida eu vi nada assim. Esta cidade é inacreditável... só pisando estas ruas é que se percebe. O cheiro é nauseabundo, há poias enormes de vaca por todo o lado, cães sarnentos coçam-se em todas as esquinas, as ruas são ensopadas de urina (humana, de cão, de cabra, de ovelhas com cornos pintados, de vacas e bois). A miséria é constante. Crianças vêm-nos pedir esmola, homens santos estão sentados no chão com caixinhas a pedir dinheiro, pessoas com doenças horríveis. Sinceramente, só me apetecia fugir daqui.
Já vim, já vi, já conheci. Não entendo como é que se consegue encontrar a paz espiritual no meio de tanta decadência.
As fogueiras são espectáculos para turistas, que dispensei observar muito detalhadamente. Em cada metro nos perguntam se queremos ir passear de barco (tanto que parece a canção do Gangam style - boat, boat, boat, it's the Ganga Style).
Quando deixamos a zona ribeirinha e nos perdemos no meio da cidade não sabemos onde pôr os pés, para onde olhar. Até com uma vaca na cara eu ia levando.
Ao chegar a casa, lavei as mãos não uma mas duas vezes, despi a roupa que tinha e só descansei enquanto tomei um banho. Nunca achei que tanta porcaria me fosse afectar tanto, mas a verdade é que isto é mesmo muito diferente de tudo o que já vivi...
Mas a morte é encarada de uma forma tão diferente que, penso, devemos ver isto como uma celebração bonita. Ainda assim, quando ela nos contou que o filho mais velho tem que cortar o escalpe dos pais antes de os queimar... dá que pensar! Os barcos aglomeram-se todos no rio, de frente para dois dos Ghats principais, enquanto uns Sadhus cantam e fazem umas celebrações referentes aos elementos da natureza. Há gente de todo o lado, mas particularmente indianos. As velas são lançadas dos barcos, para trazer boa sorte, e o rio fica cheio de luz. É bonito de se ver!
Após o passeio de barco, jantámos no nosso hotel. O Santosh, o dono, cozinhou-nos a melhor comida que já comi cá - um caril de ovo e batatas. Só que o hotel é um bocado freestyle demais para nós - não podemos comer quando queremos, só na hora marcada por ele (que basicamente é quando lhe apetece), não nos servem à mesa, tentam sempre intrujar-nos mais um bocadinho para gastar mais dinheiro... Ainda ao jantar, ficou todo ofendido porque eu DETESTO lentilhas, roubou um cigarro ao Kico, sem sequer pedir e apagou-nos a luz quando estávamos ainda a fumar um cigarro depois do jantar:
- You can stay there.
... A malta aqui é meia passada!
E tem uma desvantagem enorme, além de não estar virado para o Ganges, que é estar colado a uma fábrica de têxteis que trabalha até tardíssimo. Em frente da nossa janela, os miúdos brincam com o lixo, macacos passeiam-nos na varanda e volta e meia somos despertados por cânticos (essa parte é linda!)
Só para ficar a ideia, o Kico filmou (no escuro) para se ouvir o som! Aqui
Decidimos a vivenciar os cultos da cidade, acordámos com as galinhas - aliás, antes delas. Às 6 já nós estávamos de pé, ainda nem o sol tinha saído da toca. As vacas dormiam, os cães dormiam, e aqui e ali passava um ou outro homem, em modo zombie. Acabámos por aguardar um pouco mais e esperar que houvesse algum movimento na cidade e caminhámos até ao Assi Ghat. Aí havia um concerto (bem matinal) de sitara e taabla. Muita malta shanti balançava a cabecinha e nós decidimos ir dar uma voltinha.
Passado duas horas eu já estava com a volta ao estômago. Nunca, mas mesmo nunca, na minha vida eu vi nada assim. Esta cidade é inacreditável... só pisando estas ruas é que se percebe. O cheiro é nauseabundo, há poias enormes de vaca por todo o lado, cães sarnentos coçam-se em todas as esquinas, as ruas são ensopadas de urina (humana, de cão, de cabra, de ovelhas com cornos pintados, de vacas e bois). A miséria é constante. Crianças vêm-nos pedir esmola, homens santos estão sentados no chão com caixinhas a pedir dinheiro, pessoas com doenças horríveis. Sinceramente, só me apetecia fugir daqui.
Já vim, já vi, já conheci. Não entendo como é que se consegue encontrar a paz espiritual no meio de tanta decadência.
As fogueiras são espectáculos para turistas, que dispensei observar muito detalhadamente. Em cada metro nos perguntam se queremos ir passear de barco (tanto que parece a canção do Gangam style - boat, boat, boat, it's the Ganga Style).
Quando deixamos a zona ribeirinha e nos perdemos no meio da cidade não sabemos onde pôr os pés, para onde olhar. Até com uma vaca na cara eu ia levando.
Ao chegar a casa, lavei as mãos não uma mas duas vezes, despi a roupa que tinha e só descansei enquanto tomei um banho. Nunca achei que tanta porcaria me fosse afectar tanto, mas a verdade é que isto é mesmo muito diferente de tudo o que já vivi...
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