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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Nem à sombra da bananeira as coisas são sempre fáceis. Isso e uns amendoins misteriosamente desaparecidos.


Depois de mais uma noite mal dormida em Varanasi, entre a vibração do telemóvel do Kico e os cânticos a Shiva e após quase termos sido extorquidos em 900 rupias pelo shanti do Santosh, o dono do hotel de Varanasi – que nos queria cobrar toda a comida que consumimos aos pequenos-almoços, incluído no preço, dito no momento do check-in pelo seu ajudante, com a desculpa de que se fosse incluído nunca poderíamos comer panquecas e ovos mexidos pela manhã e depois de já termos sido roubados no passeio de barco (ai terra Santa...) - metemo-nos num táxi, esse sim um verdadeiro roubo e rumámos ao aeroporto. Não sem antes termos ido encher os pneus, que isto é mesmo assim – à hora que calha, calha – já na viagem do aeroporto de Varanasi para o centro da cidade foi tempo de pôr gasolina.
Bom, podemos dizer que demos a volta à Índia de avião! De Varanasi para Delhi, de Delhi para Mumbai e daqui para Cochin.
E não foi fácil... o cheiros que o avião tinha... parecia que íamos numa creche ambulante em que todos os putos decidem dar puns e arrotar ao mesmo tempo. Só que em vez de risadinhas infantis, aqui as sonoras flatulências são assumidas sem qualquer vergonha ou preconceito, o que torna tudo muito mais simples e perfumado... 
 
O snif, o nosso melhor amigo em alguns momentos...
 
A azul têm a rota que fizemos, a laranja a que gostávamos de ter feito (e sim, deve ter sido mesmo assim aos ziguezagues)
 
 
 
Eu ia morta por comer um McChicken, porque o avião era da companhia low cost (e que medo que metia – à minha frente uma senhora não parou de rezar nem para comer as bolachinhas – único direito alimentar a que tivémos direito o tempo todo).
Chegados a Mumbai, a nossa esperança em encontrar um Mac desvaneceu ao fim de alguns minutos de passeio e quase cometemos o erro de comer noutro sítio qualquer. Quando vejo umas letras amarelas sobre um fundo vermelho até dei um saltinho, mas não! Era só uma loja qualquer... Eis que vejo KFC. Animámos logo e, finalmente, tirei a barriga de misérias. O franguinho cozinhado em sítios que em Portugal me metem tanto nojo, comparado com o frango que comemos num rooftop à beira do Ganges parece a coisa mais higiénica e saudável. E eu sinto falta de higiene.



 
Finalmente, aterrámos em Cochin, ao fim de um dia de jornada. Mas não foi nada fácil a nossa chegada ao hotel, escolhido com tanto apreço no aeroporto. Partilhámos um táxi com um dinamarquês e foi um ver-se-te-avias, entre um inglês macarrónico, um velho de saias chanfrado e um GPS num telemóvel com net a pagantes. Este taxista também não fugia à regra. Mandou-nos esperar sentados e saiu porta fora.
- A little urine, pensou o Kico. Ai meu Deus que ele já era. O que é que se passa? Foi beber uma água? Está a vomitar?
Ao que aparentou, o velhote estava só mesmo a cair da tripeça, foi só encharcar a cara, para não adormecer na viagem. É que eramos os primeiros clientes do dia e ele aguardara o dia todo no aeroporto. Ou pelo menos foi isso que entendemos.
Ao final de berros, saídas do carro, inúteis pedidos de auxílio a transeuntes que se recusavam a falar inglês, à investida de uma vaca contra o pobre homem, lá chegamos à tão ansiada Adams Wood House. Abandonámos o Iepe e entrámos em casa, já noite cerrada, a ansiar por descanso.
Eis o nosso espanto, quando nos é dado o nosso quarto de 1200 rupias – um pedaço de nada, no fim de uma escada para o terraço, com uma casa-de-banho exterior e sem água quente. Triste, desanimada e muito cansada, ignorei as investidas dos mosquitos e caí adormecida.
 
No dia seguinte, planeámos a vingança. Acordámos com as galinhas, às 7 da matina. Perdão, acordámos antes das galinhas ou de qualquer vida animal ou humana, que está visto que na Índia tudo começa tarde. Tentando orientar-nos pela luz do sol ou por mera suposição, tentámos deambular em direcção do Forte. Quando percebemos que estávamos totalmente errados, desistimos e apanhámos o autocarro. Quando entrei no autocarro, lembrei-me das histórias de violações em autocarros indianos e fritei, mas durou só 30 segundos. Saímos na última paragem e tentámos perceber como é que as coisas por aqui funcionam. Não percebemos coisa alguma, mas passado um bocado estávamos felizes da vida numa pastelaria cheia de bolos. Com mais olhos que barriga, comemos tudo a que tínhamos direito (a fingir que eu não preciso de caber num vestido daqui a 3 meses...). Aguardámos pelas 9 da manhã para podermos alugar uma mota e, mal chegámos à garagem mais fixe de Cochin, pedimos para ir ver os quartos vagos. Lá fui eu a correr, inspeccionar a casa-de-banho e, por 100 rupias a menos, encontrámos um novo poiso. Já pude tomar banho decentemente, para nos fazermos à estrada.


Tudo nos parece caro. E por isso decidimos ser rebeldes e fazer 50 km para Sul, até Alleppey, onde são as mais famosas Backwaters de Kerala. Mal vimos os coqueiros, ficámos animadíssimos. As pessoas aqui são muito mais simpáticas do que qualquer outro sítio e nós somos uma espécie de animalzinho em vias de extinção por onde quer que vamos. Sorrisos, acenos ou simples hellos foram-nos recheando o dia. Até quando parámos uma praia, no caminho de volta, um rapazinho, Siddarth, veio com o acostumado where are you from e, quando demos por nós, já lá tínhamos toda a família – This is my brother, too.
 
Os homens vestem todos um mundu, que é uma espécie de paréu enrolado entre as pernas e, as mulheres com uma espécie de sari, usam chapéus de chuva para as proteger do sol. Não há tanto lixo, nem tanta porcaria, mas cheira sempre a bacalhau estragado. Em vez de tantas escarradelas vermelhas por todo o chão, há apenas baratas mortas...
Fomos pela autoestrada, que é uma autêntica maluqueira. O Kico ia a dar-lhe 80km/hora, porque já aguentávamos o desconforto da mota, e eu tinha que segurar no capacete para ele não voar.
Sempre que metiamos por estradas paralelas, corriamos o risco que o comboio fosse a passar. É que cada vez que há uma previsão de um comboio, as cancelas são descidas e, sabe-se lá quanto tempo, temos que ficar a aguardar.
Quando chegámos a Alleppey, desistimos da nossa ideia de apanhar o ferry boat local – demorava duas horas e meia de passeio só para ir e o mesmo tempo para regressar. Acábamos por enfiar o barrete e pagar 800 rupias por um passeio de canoa, com o Pushparajan.
Era um homem já cansado, mas fez de tudo para que estivessemos a adorar a viagem. Ele entretinha, ele dava explicações, ele fazia-nos sair do barco para ir ver os arrozais e nós, cheios de calor e cansados da mota, lá lhe íamos fazendo a vontade. Parámos num barco (?) abandonado, onde A british people is making a movie, which name I don’t understand e ele fez de fotógrafo e o Kico de modelo. No final de tudo, tinha um cartão de visita e um livro de opiniões, era um autentico profissional do negócio! Mas aqui fica o contacto dele, para quem queira ir a Kerala andar de barco: pushparajan2012@gmail.com.
 
Mortos de fome e sem perceber como é que os kilometros não passavam (era sempre só mais 20km, só mais 19km, só mais 18km, e por aí fora), parámos na beira da estrada para comprar uns amendoins. Mas só os podíamos abrir depois de lavar as mãos e, por isso, esperámos até chegarmos a casa. Fomos para a varanda comer. Só que quando os abandonei por (juro) um minuto para ir lá dentro e voltei eles tinham desaparecido. Não havia ninguém ali, nem nas redondezas, por isso suponho que tenha sido um destes corvos que invadem a cidade e tocam a balada de fundo em qualquer local.
Afinal Cochin tornou-se mais simpático do que esperávamos e, mesmo que não quisessemos, eramos obrigados a permanecer mais uma noite. Pois no dia seguinte havia greve geral e não havia forma de ir a lado algum. O que foi bom, pois deu-nos tempo para pensar no que fazer a seguir.
O problema (pois há sempre um): o nosso hotel já estava reservado. Mais um faz mala, enfia coisas, mete roupa molhada em sacos e segue para o próximo. Este próximo era já ali ao lado, numa guesthouse de um vizinho do anterior dono. Mas, por cem rupias menos, baixámos bem a categoria. Ainda pensámos mudar para o hotel do lado, que, dado estarmos agora na época super alta, custava 4000 rupias. Quando dissemos que era muito mais do que podiamos pagar, o rapazinho disse-nos que podia fazer-nos por 2.250 (??). Não tivéssemos já gasto tanto dinheiro e nem hesitávamos. O aspecto era muito melhor e tinha piscina no terraço. Mas fomos fortes e agora vamos tentar dormir num quartinho apertado, com uma ventoinha cansada, formigas, mosquitos e uma casa-de-banho que emana um cheiro de cair para o lado...
Não posso esquecer de referir que, mal entrei no hotel, vi uma cara conhecida. Era a rapariga que trabalha no Austríaco, em Lisboa. “Mas o que é que estás aqui a fazer? Ninguém que vai casar em Maio viaja para a Índia!” - ao que ela respondeu: “Toda a gente nos diz isso, que estamos a fazer tudo ao contrário!” 
 
 
 
 
 

 
 
 
 

 

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