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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Depois da Índia, preparados para tudo!

Cinco semanas depois, duas cagadelas de pássaro na cabeça e três razias, um pé enfiado na bosta de vaca, vários presentes deixados pelos corvos no banco da scooter, muitas escarradelas pisadas e vários rios de mijo humano saltitados (e salpicados), uma gastroenterite, algumas dores de barriga mas nenhuma diarreia assumida, vários atropelamentos evitados por um triz e muitos olhos fechados com força para que não doessem os inevitáveis embates de tudo o que mexia nas estradas, e eis que chega ao fim a nossa viagem à Índia.
Foram muitos os quilómetros percorridos, as horas de viagem, as esperas, os desconfortos e as aventuras. Vamos embora certamente muito mais pobres em euros mas indiscutível e unicamente mais ricos de espírito, de conhecimentos e de aceitação. Fomos surpreendidos, postos à prova, apaparicados, desprezados, abençoados e amaldiçoados.
 
Os nossos últimos dias em Goa foram passados entre os aproveitamentos de todos os minutos possíveis ao sol e no mar e os nossos afazeres (agora) familiares. Domingo fomos convidados para a festa da Primeira Comunhão do Neill, o sobrinho da Aileen. Em Portugal, num almoço de família, um casal jovem e estrangeiro seria convidado e bem recebido, obviamente, mas ao fim de alguns minutos seria deixado de lado e, provavelmente, desde que tivesse comida no prato e bebida no copo, ninguém repararia neles. Mas em casa da família da Aileen eu e o Kico fomos recebidos como convidados especiais - empanturraram-nos de comida, como aliás deve ser um costume goês!, nunca deixaram o copo de cerveja do Kico vazio, o que começou a ser um problema para manter a sua sobriedade e não descansaram enquanto não desenferrujaram o português connosco, perguntando-nos pela nossa viagem, a rota, o que achámos da Índia e, sobretudo, o que pensávamos sobre Goa. Fomos apresentados a todas as pessoas e foi mesmo como se todos quisessem saber de nós.
No último dia de manhã, acordámos bem cedo, seguimos o carro da Pradip e fomos até à escola da Aileen. O português é uma das língua opcionais dos alunos do secundário e a Filomena, uma goesa da Beira, é aqui a professora. Por isso, os seus alunos estavam ansiosos pela nossa presença na aula. Durante três períodos de quarenta e cinco minutos, fomos o centro das atenções e o motivo de gazeta de adolescentes com as mais diversas perguntas. Como se vestem as pessoas em Portugal? Qual o seu hobbie preferido? O que mais gostou em Goa? Quando é o vosso casamento? Conhece a Rosita Nunes?, ela vive em Lisboa e é minha prima. Ainda recebemos um convite para um casamento que decorria naquela noite. Mas a última noite foi para despedir da nossa linda família - a Tia Blanche, a Aileen, o Pradip e o Zahir. Comemos com apetite o jantar tão empenhadamente cozinhado pela Aileen, a melhor cozinheira da Índia e, para a sobremesa, trouxemos Babinka. Não fosse a casa dos Peregrino D'Costa e ia embora daqui sem comer chamuças e estas sobremesas todas, como  Gulab, Jalebis e teias de aranha... Quem é que me disse que ia sair da Índia bem magrinha?
 
Claro que a paisagem envolvente e o prazer de estar na praia contribuíram para eleger esta parte da Índia como, se não a preferida, a mais apaziguadora e bem desfrutada, mas foram todos estes momentos que tornaram Goa tão especial.
 
Munidos de muitas imagens de Ganesh, para ajudar a superar os nossos obstáculos, voltamos para casa com ainda mais certezas de que juntos somos mais fortes. Durante estas cinco semanas estivemos sempre juntos
- na riqueza e na pobreza - quando por menos de cinco euros nos sentíamos príncipes comendo óptimas refeições, rejubilámos nos mercados a comprar pechinchas, mas também mesmo quando desperdiçámos dinheiro por burrice ou quando um de nós não cedeu à tentação de comprar só mais uma coisinha e os valores da rupia passaram a ser o nosso padrão; 
- na saúde e na doença, tendo provado o Kico que não é preciso ficar doente só porque se vem à Índia, não tendo padecido de qualquer tipo de problema, mas, por outro lado, tendo ficado comigo dois dias preso no hotel de Pushkar porque eu não me conseguia mexer;
- na alegria de saltar nas ondas do quente mar, andar de mota com os cabelos à solta, respirando a natureza ou na tristeza ao ver pessoas doentes a viver nas ruas, crianças a pedir-nos chapatis, no desanimo ao pisar porcaria o dia inteiro, sentir os cheiros nauseabundos ou estarmos cansados com tantas dificuldades ou desconfortos;
- na limpeza e na sujidade, nunca nos importando quando não dava para tomar banho porque não havia água quente, arranjando sempre solução para dormir confortáveis em lençóis não lavados ou inclinando as garrafas de água potável para lavar as mãos um do outro;
- na beleza e na fealdade, quando foi preciso improvisar com a roupa que se tinha dentro da mochila, ou porque fazia frio ou porque não havia mais nada lavado;
- na boa e na má disposição, porque nem sempre se está com o melhor dos humores quando a todo o instante temos que nos habituar a (sobre)viver em ambientes e envolvências tão peculiares;
- no divertimento e no tédio, e, em geral, em todos os contrastes sentidos ao longo destes dias, longe de casa, sozinhos e só podendo contar um com o outro.
 
Sem dúvida uma viagem que levamos para a vida, com pessoas que traremos connosco sempre e com aprendizagens de que nos iremos lembrar até morrer.
Mas agora, se nos dão licença, temos que ir, pois temos um futuro (e uma festa) para organizar!
 
 
 



 

 

 


 
 

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