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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Pushkar - Literalmente, um dia de merda...

Se a bosta abençoa, então eu já fui nesta viagem abençoada para todo o resto da minha vida (e mesmo que a minha vida não acabe aqui, numa queda de rikshaw ou numa luta com um indizinho, quando eu o tento empurrar ravina abaixo por olhar para mim com aqueles olhos tortos e acabo por cair também).
Mas já voltamos a esse tema...

Apanhámos o comboio de Udaipur para Ajmer - rapidíssimo! Apenas 5 horas (previstas), com lugares marcados e ventoinhas no tecto. Tudo parecia bem, a carruagem não ia cheia, o casal idoso que se sentou à nossa frente arranhava o inglês e pelo menos não escarrava para o chão. 
À medida que o tempo avançava, mais e mais gente entrava, bem como o pó e o frio da janela. Percebi rapidamente que não temos nem um milésimo da paciência indiana e as minhas crenças em mim mesma, enquanto potencial shanti, vão decaindo cada vez mais. Aborrece-nos não ter o que fazer. Tentei ler, tentei conversar, tentámos fazer jogo e tabelas de câmbio, mas o tempo nunca mais passava e eu só pensava em casas de banho. Por sua vez, o velhote cada vez ia ficando mais doente e tossia insistentemente para cima do Kico (que só perguntava se eu achava que ele ia morrer a Varanasi), só parando para comer as suas sandochas de geleia com molho de tomate.

isto somos nós, quando a viagem iniciou


                                             isto somos nós, quando a viagem ia em 1 hora...



Quando chegámos a Ajmer estava um frio do camandro e já fazia noite. Fomos completamente sugados pelos rik-drivers e eu, que tinha dito ao Kico que só pagávamos 100/150 rupias no máximo até Pushkar, vi o meu dinheirinho a ir água abaixo com o acordo que ele fez com um gorducho que o convenceu que nunca iríamos para ao outro lado da montanha por menos de 300 rupias a não ser que fossemos de autocarro.
A partir daí proibi o Kico de falar com quem quer que seja sobre o NOSSO dinheiro. Quem negoceia sou eu e ponto final. Mas, hoje de manhã havíamos decidido mudar de hotel, e quando finalmente encontrámos um bom (Hotel Kanhaia), e fomos buscar as malas ao outro da noite passada (Lake View), fomos abordados por um homem na rua que nos deu uma flor para atirar ao Lago. Como é uma cidade sagrada, achámos por bem não negar e ir até ao Lago. Eis se não que vem logo um suposto padre, a cada um de nós, que por sermos homem e mulher temos que nos separar, para nos ensinar a fazer as preces. I here pray to Vishnu, I here pray to my mother, I here pray to Ganesh, I here pray to Brahama, I here pray to my kids, I here pray to Hanuman, I here pray to Shiva (paragem: "do you know all this gods, right?") Bom, nem cinco minutos perdeu ali comigo a rezar para depois me falar na fundação que ajuda as pessoas de Pushkar. E quanto dinheiro é que eu queria PROMETER que ia dar. Eu lá prometo coisas que não cumpro? Logo eu... disse que tinha que ir conferenciar com o meu esposo, que eu não era autorizada a falar de dinheiro com estranhos e logo me aparece o Kico, todo enrascado, que fora dizer ao padre dele que quem guardava o dinheiro lá em casa era eu. 
- Quanto é que prometeste dar?
- Eles obrigaram-me a repetir tudo... prometi 2.000 rupias.
- 2 mil quê?!? Eles estão doidos? Não vou é pagar nada, era o que me faltava... vamos fugir disto. Ok so we go to the hotel to take money.
- No problem, he is going with you.
Lá fomos nós ao hotel com um agiota que nos ia batendo quando o tentámos despachar com 300 rupias. Eu virei as costas e fugi e o Kico ficou cheio de medo de ser amaldiçoado...

nós a fingir que estamos muita contentes com a benção,
mas na verdade estamos furiosos com estes tipos...



A nossa caminhada da estação de comboios para a cidade, já noite cerrada e tapados com a mantinha vermelha (que, ai, ainda bem que veio, pois ela serve para tudo, inclusivamente lençol nestas caminhas fofas) tinha sido um pouco assustadora. A estrada é escura como a noite gelada, o rikshaw volta e meia parecia que ia desligar e tudo o que é homem parava para olhar. Aqui cobiçar a dama do outro não é pecado. E assusta...
Perdi alguns anos de vida, confesso e quando achei que já ia respirar de alívio, fomos ver o U Turn Hotel e ia caindo para o lado. Mudámos para o Lake View, um hotel que tinha tudo para ser bom, mas onde ninguém preza pela higiene. Obviamente que repleto de freaks, porque eles curtem estas cenas. Já nós adoramos o minimalismo mas prezamos muito mais a limpeza... O facto de hoje de manhã o Kico ter tomado banho com água fria foi a gota de água para nos pormos a mexer.

não parecia delicioso?



                     Um cotinha americano, que conheci ontem ao jantar (porque ele tentou conversar com uma cotinha hippie, mas mal falou em internet e comunicações ficou sozinho), estava maravilhado com o hotel, mas quando lhe falei no WC ele respondeu:
- Ohhh I did't take a look yet.
- Ah, pois, por isso é que estás tão contentinho!

                      
Após um banho quente deambulámos pelas ruas - Pushkar tem um lago sagrado que é rodeado por um mercado que vende tudo, a preços tão baratos que só dão vontade de regatear ainda mais... Almoçámos numa restaurante de All world food (Rainbow - num terraço óptimo, com um simpático empregado que nos deu a provar três doces óptimos, o último dos quais com haxixe, but just a little). Comemos um prato israelita de comer e chorar por mais e fomos apanhar banhos de sol, à beira lago, enquanto os outros apanhavam banhos de holly water. Aí bem tentaram, mas já ninguém nos engana mais.
Ainda tentámos ir ver o pôr do sol ao templo no cimo do monte, mas o céu estava com uma neblina que nos fez repensar em descer depois tudo às escuras. É que cada passeio é uma aventura com os grupos de indianos que param para me mirar como se eu fosse a branca mais gata que eles já viram! Desistimos, depois de sacar mil fotos.
Apanhámos um casamento indiano (que também era um sonho que eu tinha, mas que não foi ainda 100% concretizado porque eu não fui convidada), mas era bem michuruca, coitadinha da noiva... e seguimos, dispostos a investigar como é que nos podíamos inscrever na aula de Ashtanga no templo aqui ao lado do hotel.
No caminho, levo uma cagadela de pombo no braço. Tudo bem...limpo com o lencinho de papel e deixo para mais logo a limpeza a fundo.
Um guru de barbas até à barriga veio receber-nos e deu-nos ali uma ensaboadela sobre pranayamas, bandhas, vinyasas e etc, num inglês que, se a mim me custou a entender, imagino que o Kico tenha sido totalmente incompreensível... em vez de descomplicar, fez-nos sentar no chão, fazer umas técnicas de respiração que, ali em 5 minutos não nos iam servir de nada, pois só queríamos mesmo era ir ver o pôr do sol, que o yoga ia ficar para amanhã. Quando olho para a minha máquina fotográfica, vejo que a cagadela do pombo fora até muito mais longe... máquina, mala, capuz do outro casaco... Ok, quero ir para o hotel livrar-me desta merda toda!
Saí de lá muita desmoralizada, a achar-me sem espírito zen nenhum, e quando grito ao kico em repeat:
- cuidado que vais pisar cocó de vaca, cuidado que vais pisar cocó de vaca, cuidado que vais pisar cocó de vaca - miro melhor o cocó de vaca, vejo que tem uma pisada, olho para os meus ténis e começo a rogar pragas! (lá se vai o meu espírito zen, de uma vez por todas!)
Irritada, começo aos berros com o Kico que só tirava fotografias aos macacos, que se ria, que tentava ajudar e que só me irritava ainda mais...



Vim para o hotel, a cheirar a bosta por todo o lado, encharquei-me de água e recusei-me a sair até ao dia seguinte, porque nem roupa para aguenta o frio que faz lá fora sobrou.
Não nasci para ser shanti, certo?


Foto que o Kico me mandou por whatsapp a dizer
"desculpa a foto, mas amanhã vais rir"

PS. Quando me descalcei, sem querer, rocei o sapato no casaco que já tinha a cagadela de pombo....


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