Total de visualizações de página

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O nosso primeiro e único tour organizado na Índia


Este é o Anthony.

Um condutor muito audacioso, a quem nem os tiques nervosos que lhe faziam pasmar as mãos tiraram a perícia para se desviar por um minúsculo centímetro, tantas vezes que ia fazendo razias nos carros que circulavam em contra-mão. Uma estrada “nada” perigosa, cheia de buracos e derrocadas nas curvas, onde ninguém se coíbe de ultrapassar ainda que arriscando embater de frente com um autocarro cheio de gente, um colorido camião ou um vagaroso rickshaw. O Anthony lá nos ia pregando uns sustos, à medida que ia guiando e indicando o pisca com os dedinhos das mãos. Como boa guia-condutor ia parando de 10 em 10 minutos, nos locais mais mal iluminados ou cheios de árvores à frente, “to take a picture”. Às vezes tentávamos educadamente reclinar, outras tínhamos que lhe fazer a vontade (ainda bem que já ninguém usa máquina de rolo e que as baterias das digitais duram muito tempo). E o casal indiano que ia connosco, aproveitava sempre para sair pive minutes e fazer umas fotografias dignas de BollyTV Guia.

Volta e meia o Anthony ia-se hidratando com um líquido amarelado dentro de uma garrafa de Whisky, pelo que fiquei deveras preocupada com a sua sobriedade até ele me esclarecer que era chá verde. Aí fiquei preocupada com o seu sistema urinário, porque não há chá mais diurético e ele não se ia aliviando muito...

Foi um longo, longo e quente percurso, o qual não teria sido bem sucedido sem antes termos ido encher o depósito de gasóleo do nosso “autocarro”. Quando, com meia hora de atraso, o Toni - como amigavelmente o íamos chamando - nos foi buscar à Guest House (e que pesadelo de local – quando levantei a minha mochila do chão tinha tufos de cabelo agarrados e garanto-vos que não eram meus – nota mental: não aconselhar o Nyia Nest – o moço é muito simpático, até se levantou às 6 para nos fazer o pequeno-almoço, mas a limpeza deixou muito a desejar...), vimos na janela do autocarro a Sofia e o Salvas (a tal rapariga do Austríaco). Com eles estava também já um rapaz de ar britânico (que, de facto, era de Londres), a quem mais tarde baptizámos de Solitário, porque ele era o único sozinho e por quem jurei que ia fazer amizade, e, uma hora mais tarde, apanhámos um casal indiano, o Safid (?) e a Reena, que nos iam amavelmente presenteando com uma sinfonia de arrotos. O passeio incluía uma paragem para assistirmos aos elefantes a tomar banho – que, apesar de parecerem rejubilar com a banhoca e as escovadelas, tinham as patas presas por correntes, o que me entristeceu um bocado – e ainda, pelo meio, a paragem numas waterfalls de beira de estrada em que, mais uma vez para não desanimar o Toni, nos mostrámos muito contentes mas que na verdade eram as cascatas mais fracas que já víramos – batiam aquelas da beira da Transfagarasan. O Anthony explicou, no seu inglês bem cerrado, que como estávamos na época seca não tinham muita água. Está explicado, pois claro! Outra paragem obrigatória foi para a Reena poder vomitar um bocadinho, mas também a puxar assim os arrotos quem é que não fica mal disposto? O Kico preocupadíssimo que ela nos vomitasse para cima, lá tratou de lhe fornecer uns comprimidos para os enjoos e sentá-la no lugar à janela. E fomos salvos.

Deixámos os nossos bens na Home Stay – British County ­– que nas fotografias parecia um encanto e que ao vivo não tinha piadinha nenhuma, mas que pelo menos era tão limpo quanto possível (após o Kico ter ido dizer ao rapaz que tomava conta daquilo, que a nossa casa-de-banho estava pejada de pêlos da barba de outra pessoa, ele tomou todas as medidas de imediato – tanto quanto se pode pedir). Aí comemos uma comida típica de Kerala, mas que felizmente era só típica neste local... Para o almoço arroz quase doce com couve, feijão verde com côco e um caril de pepino. Ao jantar, ossos de galinha com Dal, uma espécie de puré de lentilhas. Ai, minhas ricas bananas!

Após subirmos por duas horas até ao topo da montanha, a cerca de 2.000 metros de altitude até ao view point para os campos de Munnar, cultivados de chá, a cereja no topo do bolo foi um nevoeiro cerrado que nos fazia lembrar Sintra em pleno Inverno. Com frio e cansados, sem perceber porque é que o Toni continuava a insistir em subir lá acima se o resultado só podia ser falhanço, não nos apeteceu caminhar os 200 metros para o ponto turístico. Mas o pobre Anthony só nos respondia foto, foto ou tea museum, green field, a todas as perguntas que fazíamos sobre tudo, incluindo o que mais nos ia preocupando, que era a nossa viagem para Goa, e por isso lá nos fomos nós arrastando... Um cházinho depois, uma tentativa frustrada da malta para ir comprar cerveja no único quiosque que vendia álcool nas redondezas (no qual o Salvas ainda aguentou entalado entre cinco indianos uns valentes 10 minutos) e duas horas de caminho aos solavancos, chegámos à nossa casota, para um banho sem pressão e o tal jantar deplorável. Para não dar má fama aos portugueses, tentei quebrar o gelo e fazer toda a gente falar inglês e não encontrei solução melhor do que bombardear o indiano com perguntas. Fiquei a aprender imenso – uma religião que eu desconhecia, o que acontece ao trabalho em caso de viuvez, as diferenças entre as várias partes da Índia e melhor de tudo, quanto custa um casamento indiano. Os quatro noivos presentes à mesa ficaram em êxtase. Ao pensar nos casamentos indianos, cheios de cor, de som, de pessoas, de comida e a durar três dias, só podemos triplicar o preço daquilo que pensamos que vai custar o nosso e lamentar pelas famílias daqueles nervosos noivos sem-sal nenhum (porque mesmo a Reena, a casar por amor – como eles mesmo disseram - e com um vestido lindo, nas fotografias apresenta um semblante bastante infeliz). O Safid confirmou, it’s very expensive. No final, feitas as conversões, uma festa de casamento médio custará aproximadamente 2.000 euros. Nós não podíamos acreditar.

- Vamos já começar a preparar as coisas, que as nossas famílias vêm cá ter. Sai-nos mais barato que casar em Portugal!

Vistas bem as coisas: por norma não há álcool na recepção, a música é feita pela família e amigos, o fotógrafo deve ser dispensável (para quê? há telemóveis), está sempre bom tempo e já temos visto que os casamentos são uma espécie de feira popular, cuja estrutura não parece custar muito dinheiro. No final, apenas é preciso gastar dinheiro com comida! Muito mais prático! Claro que esta informação nos foi depois desmentida – um casamento indiano, de classe média, com cerca de mil pessoas, custará à volta de 10.000 euros (ainda assim, ficámos invejosos!)

- Mas e então e o vestido da noiva? Sempre tão trabalhos, isso de certeza que é muito caro.

- Of course. O vestido da Reena ainda por cima era um sari especial vindo de Varanasi. Custou-lhe uma fortuna! Uma espécie de 100 euros...

Após tanta informação para digerir (e de confirmarmos que em Portugal todos casam por amor, ou pelo menos assim o fazem crer), foi literalmente um chichi-cama, porque às nove horas já não havia mais que fazer – a Reena já tinha sido recambiada para o quarto, porque já se tinha alimentado e assim o Safid foi ter com ela e os restantes acabaram por seguir-lhe os passos.

Na manhã seguinte, ao pequeno-almoço fomos surpreendidos com um caril e uma espécie de arroz com côco, que educadamente deixámos para o casal indiano, da mesma maneira que encavacadamente íamos pedindo ao rapaz que nos servia se nos podia trazer mais pão. Ainda tentei fazer mais perguntas, mas às tantas tudo o que nos apetecia dizer-lhes é que eles tinham mesmo que parar com aquilo dos arrotos. Mal entrámos na carrinha, ele larga um bem sonoro.

Lá fomos nós, mais uma horinha de carro, para ir visitar o Museu do Chá. Nunca tinha estado em nenhum local de plantação de chá. Os arbustos fazem uma paisagem linda. Foi-nos dado o benefício de ir passear 10 minutos pelas plantações de chá mas, infelizmente, não vimos ninguém a trabalhar. Por norma, são as mulheres que colhem as folhas de chá e, por isso, a cidade de Munnar está toda estruturada de forma a que as crianças fiquem em creches e escolas, geridas pelas mulheres mais velhas.

É com pena que abandonamos Kerala, após uma noite semi-dormida numa Guest House KitKat. Quando fomos procurar local para dormir, fomos tentar o primeiro sítio onde ficámos, o I One’s, que tínhamos gostado muito – estava cheio.  Eu não queria por nada ficar outra vez no Niya Nest mas infelizmente, o dono passou-nos à frente de mota e, todo feliz da vida, foi-nos dar um quarto melhor. Eu ia morrendo de vómitos quando vi o chão da casa-de-banho, mas também era só para tomar duche e descansar as pernas, pois íamos apanhar o comboio das 5 da manhã. Negociei o preço, poupámos 200 rupias (o que aqui é uma fortuna!) e enquanto fomos resolver o nosso filme dos bilhetes para Goa o dono do Niya recebeu um hóspede de quem estava à espera e então teve que nos reinstalar na Guest House do tio, pelo mesmo preço. Ficámos a ganhar tanto – o quarto era limpo e a casa de banho sempre tinha lavatório. Não fosse o cheiro nauseabundo das fossas e da tinta acabada de secar, ou a falta de internet, e este era dos melhores locais onde já ficámos. Agradecemos muito, prometemos que íamos escrever no Trip Advisor e começámos a empreitada de 12 horas de comboio. A nossa prudência/experiência fez-nos gastar mais dinheiro e comprar os bilhetes no AC Sleeper, o que nos permitiu ir dormitando nas incómodas e pequenas camas, mas pelo menos frescas. A casa-de-banho não se mostrou tão deplorável como eu contava, não fosse o cheiro que me ia fazendo cair para o lado. Com uma mochila cheia de bananas, pão, bolachas e croissants (sim, croissants, que em Cochin há uma pastelaria com óptimo aspecto!), lá íamos nós, rumo ao Paraíso.

Parece que os Deuses já estão com um pouco mais de fé em nós!

Nenhum comentário:

Postar um comentário