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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O dia em que percebemos que já não somos backpackers


Finalmente parámos num sítio com Internet, ainda que a meio gás (por isso, fotografias só daqui a uns dias). Agora posso escrever-vos sobre o que se tem passado e como temos vindo a perceber que já não somos do grupo da malta jovem que viaja com o mínimo, que fala com toda a gente e que dorme nas camaratas. Sinto que já somos olhados como aquele casal um bocado mais velho que também vai no mesmo autocarro que eles mas que, depois, quando cai a noite, dorme em melhores condições e come em restaurantes. Se calhar também olham para nós e perguntam: “onde é que esta gente desencanta o dinheiro?”, que é a pergunta que nós os dois fazemos sempre que vemos aqueles que, para nós, são os mais velhos, e que andam aí dois e três meses a viajar e exactamente com as mesmas comodidades que nós (ou mais).

Mas como é que isto nos aconteceu?

Enquanto estávamos sentados à espera do autocarro que nos ia levar Riohacha, depois de uma noite muito confortável em Barranquilla, o Kico disse que tinha uma confissão a fazer. Já não queria viajar mais neste registo. Estava farto de viajar desconfortável, de comer mal, de dormir em sítios medonhos. A verdade é que a nossa vida em casa não nos permitiu que nos debruçássemos sobre onde iríamos e pensámos que, à semelhança do que fizeramos até agora, podíamos vir e viajar com a maré. Sabíamos que aterrávamos em Bogotá e dali voltaríamos para Lisboa. Tínhamos um voo para Cartagena. E nada mais. Mas nem 15 dias são suficientes para isso nem a Colômbia nos dá toda essa flexibilidade. Acabámos por despender muito mais e a aproveitar muito menos. Então decidimos mudar o conceito. Se calhar está na hora. Não sei. Se calhar nem é assim tão estranho – em todos os bons sítios que temos dormido há sempre pessoas jovens e, ao contrário do que eu poderia pensar, não me sinto desintegrada com a minha roupa velha, que uso em repeat, vezes sem conta.

Muitos detalhes da viagem nos têm vindo a correr mal e isso stressou-nos muito. E viemos de férias, estávamos cansados, queríamos limpar a cabeça. Não se consegue relaxar quando se dorme num Hotel onde se brinca que há crocodilos no chão e, por isso, nada pode cair ou não se pode pôr um pé fora do chinelo. Por isso, apesar de termos escolhido um hotel longe (muito longe) do centro de Cartagena, desfrutámos o mais possível da cidade (que se vê numa tarde) e ficámos muito satisfeitos com o conforto. Ademais o Kico estava doente. Depois do almoço, o Maurício (colega colombiano do meu pai) foi buscar-nos ao Hotel e levou-nos para casa do cunhado, na Ilha Baru. A ideia era ficarmos lá duas noites, mas afinal ele tinha que trabalhar. Desta vez, as alterações de planos não eram responsabilidade nossa.

O caminho para lá ainda era longo e eu em pânico que o sol se fosse embora ainda antes de eu conseguir absorver alguns dos seus raios. Era tudo o que precisava para me recompor. Parte do caminho é feito pela praia, à beira mar. Uma verdadeira emoção. Finalmente víamos o mar tal e qual ele nos foi anunciado: azul e verde. Já imaginava o carro a ficar atoladinho e nós a passar o final do dia a empurrá-lo. Mas pelo menos ía ser na praia (ou lá perto). Seguimos a estrada de terra batida quando o carro parou e não voltou a arrancar. Mas, calma, foi só uma brincadeira e este susto não durou mais de cinco minutos. Por fim, chegámos ao paraíso - uma casa à beira do mar. Só para nós.

Tomámos um banho maravilhoso e ficámos a ver o sol a cair no mar. Mas, o que a solidão tem de romântico também tem de caro. Ali não havia onde comer, a não ser um luxuoso hotel. Partilhámos como Maurício um filete de peixe e uma massa com quatro camarões, e depois de acabarmos o jantar com fome, largámos ali cerca de 30 euros. Desengane-se que acha que vir de férias para a Colômbia é barato barato.
Depois do pequeno-almoço, o primeiro na vida em que comi ovos mexidos (porque não tinha como dizer que não), empurrados com arepa - que são umas tortilhas de milho e leite ou água que se comem a toda a hora por aqui, fomos para Barranquilla, para casa do Maurício. Lá, Carmina, a sua mulher, estava à nossa espera para nos levar a visitar tudo.

Barranquilla foi uma experiência local. Provámos um pouco de todos os sumos de frutas que se lembraram de nos oferecer, finalmente comemos bem, dormimos numa casa muito confortável, lavámos a roupa (nota: nunca deixar pôr a roupa numa máquina de secar). Ficámos a saber muitas coisas sobre os caribenhos e vimos os preparativos para o segundo maior Carnaval do Mundo. A cidade estava preparada, por todo o lado as ruas dão sinais: os supermercados, as lojas, os prédios, a porta das casas e até alguns carros, enchem-se de motivos alegres e muita cor. Os grupos de dança juntam-se nas ruas, a ensaiar e, só por si, isso já é um espectáculo.

O Museu do Caribe é muito interessante e poderia ter lá ficado um largo tempo, a ler sobre as povoações indígenas, sobre a cultura, a ouvir a música. Uma visita dá-nos um pequeno cheirinho do que é esta região e, depois de ver um vídeo sobre as danças tradicionais, saio com pena de não ficarmos para o Carnaval.

A Carmina foi uma anfitriã exemplar. Na hora da partida, e para economizar o meu stock de roupa lavada, vesti a t-shirt que usei na véspera, para levar na viagem. Ao despedir-se de mim, olhou para mim cheia de pena e perguntou "Mira carino no quieres que te empreste ropa para llevares?"

Lá fomos nós no melhor autocarro da Colômbia (fomos na Brasilia), porque para este casal colombiano, já nos bastava de aventuras. Mal sabiam eles que ainda estava só a começar a nossa viagem.

Se este era a Rede Expresso, nem quero imaginar como seria a Barranqueiro cá do sítio...
Coisas importantes a reter: não ir num autocarro de noite para um sítio desconhecido depois de ouvir o taxista que nos leva ao terminal de transportes. Diz que ha indígenas que roubam tudo e que o deserto é deles, não há quem lhes ponha a mão. Não recordar as histórias de uma Barranquilhena, que foi seguida por três motas com seis gandulos que lhe apontaram armas à cabeça. E só há uns três meses. Não ver filmes sobre raptos de turistas e outras cenas terroristas (muito menos doblado em espanhol). Lá se foram mais uns meses de vida nesta viagem de autocarro...
Quando o táxi no deixou no Hotel em Riohacha respirei de alívio mas durou pouco - a reserva que estava feita em nosso nome era só para o dia seguinte. Bravo, Sara. Clássico. Haveria mais um quarto disponível?

- Não, por hoje estava tudo cheio, mas não faz mal, que ali à frente há mais um Hotel, eu levo-os lá.

- A pé? !?

Se não fosse a simpatia deste senhor, acho que tinha entrada em pânico. Quando não se conhecem os sítios ou deles nunca sequer se ouviu falar, todos os sons, todos os olhares e todas as sombras, à luz da noite, podem fazer tremer estes joelhos que eu tenho bem sensíveis.

Já tarde, todos os restaurantes estavam fechados, e fomos dormir com pão e banana no estômago. Ainda hoje estou para saber se os ruídos que me acordaram às 5:30 da manhã foram foguetes mal rebentados ou tiros.

De manhã tudo tem outro encanto e os tormentos que me assaltam à noite parecem-me sempre tão patéticos.

Afinal estávamos no cenário dos livros de Gabriel Garcia Márquez. Também não houve muito tempo para conhecer a cidade porque logo logo nos vieram buscar para irmos servir de isco para os índios e os malditos venezuelanos que nos iam raptar e assaltar.
Isto foi o que se passou na minha cabeça nas três primeiras horas de viagem, enquanto os saltos que o meu rabo dava no banco do jipe me iam baralhando ainda mais as ideias.

 

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