Total de visualizações de página

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O fim do reinado da tuta e meia


Desde então, o nível de conforto foi sempre a decair. Eu só pensava que se calhar devia ter posto a minha capa de aventureira de lado, devíamos era ter ido para a zona cafeteira e, àquela hora, estaríamos numa fazenda fancy a beber umas canecadas (de café aguado, talvez).

Mas não. Estávamos no Deserto, em Guajira.

Ao menos fazia calor.

Alex, o nosso guia, fez-me experimentar como é participar no Dakar, sempre a abrir nas estradas de areia. Faz aquele percurso diariamente. Já sabe em que portagens quer parar para dar doces e água às crianças que tentam impedir os carros de seguir viagem com umas cordas que atravessam no caminho. Já fala o dialecto Wayuu. E também faz peões. Íamos capotando, mas não faz mal, ele apenas percebe que aquele caminho não vai dar e volta para trás uns metros em marcha atrás a 70km/h. O importante é relaxar, que aqui é mesmo assim: não há condições.

São quilómetros de areia de se perder de vista. Consoante avançamos, a paisagem vai-se alterando ligeiramente. Areia, areia e pedras, areia, pedras e conchas, lama, vegetação seca e cactos ou, mais perto da água, até mesmo verde. Mas, para lá da areia, temos o mar. E desta vez é mesmo o mar do Caribe, verde e azul, como nos postais. A combinação é contraditória. Riqueza e aridez, frio e quente, seco e água.

A primeira paragem ele faz numa parte do deserto em que temos uma miragem. Parece água. Mas é só o sol a bater na areia.


Bahia Portete
Uríbia é a capital indígena da região de Guajira ou também apelidade como capital dos sacos de plástico. É inacreditável como é que tanto plástico chega àquele local. Há por toda a parte, presos nos cactos. As cabras que para ali pastam é com o que se alimentam... sacos e pedras. No caminho passa por nós um cão. Todo o jipe se enche de piedade. Pedem para parar o carro, para lhe dar água e batatas fritas, pobre cão, tão magrinho. Mas o cão não se aproxima e logo se junta ao dono que dormita debaixo de um toldo. O mesmo não se passa com a centena de crianças que, cada vez que passa um carro, pára as suas brincadeiras e corre para se abeirar de mão esticada. Estamos mesmo num lugar contraditório.

Paramos no salar de Manaure, onde Alex nos explica por alto a técnica da extracção do sal. Aqui e ali formam-se umas baías, com água transparente, mas onde não nos podemos banhar (as areias são perigosas). Também há praias onde não aconselham que entremos no mar, por causa das correntes e das alforrecas. É o caso de Cabo de la Vela, onde paramos para almoçar, e que é um destino eleito para os praticantes de Kite Surf (eu agradeço o vento, que afasta os mosquitos). O menú não varia muito durante estes dias: peixe frito ou peixe frito. Há quem escolha o frango, mas nós não nos atrevemos. Aqui é como no Café do Aires, desliga-se o gerador a partir das 11 da noite e, além disso, nas condições em que estes bichos vivem, prefiro ficar-me pelo arroz. Passo alguma fome, é verdade, porque ali nada há para substituir. Nem fruta, nem produtos frescos, nem pão. O Kico vai-se entretendo com a cerveja venezuelana e eu digo a  mim mesma que assim pelo menos, nesta viagem, não vou chegar a casa mais pesada.

Depois do almoço vamos para o mar. A praia perto do Pilón de Azucar está cheia de turistas que se mesclam com os adolescentes locais, sentado na ponta das nossas cangas, para nos impingirem bebidas frias. O mar é bonito e mexido. A água é morna. Aproveitamos para descansar e para nos refrescarmos. À noite (ou seja, pelas 19 horas), indicam-nos os chinchorros onde vamos dormir. Já sabia que iamos dormir em redes, mas ali?!? Num telheiro, em frente à praia, do outro lado da rua da estalagem. Não. Não durmo ali. Tenho medo. Quando partilhamos a angústia com uns suíços que conhecemos ao jantar eles riem-se. “é preciso coragem para dormir na rua.” Quando armo o circo, a colega de jipe (que também ia dormir connosco) diz-me que havia a opção de escolher cama e pagar a diferença. Ah!!! Mas só agora é que nos dizem?! Vamos logo averiguar se ainda podemos dormir debaixo de um tecto, nem que seja todos juntos.
 


 

No dia seguinte, cedo vamos até Punta Gallinas, o ponto mais Norte da América do Sul. Apesar de ser um deserto, a paisagem é variada e deslumbra-me e, por isso, faço um enorme esforço por manter os olhos abertos. As dunas de Taroa escondem uma praia super exclusiva, onde há pouco mais de dez pessoas. Aí passamos parte da manhã antes do almoço, que é feito na nossa nova estalagem. Aí já não vamos na cantiga, pedimos logo para ver os quartos. Ficamos divididos entre dormir em camas de cimento ou em hamacas junto de todos os outros hóspedes, mas as condições das casas de banho e o barulho que os grupos maiores fazem levam-nos a optar pela privacidade. Estamos cansados, sujos e famintos, mas valeu a pena o tour a esta zona menos conhecida da Colômbia. Os outros perguntam-nos como é que fomos ali parar, não é normal haver turistas que não seja para o Kite Surf. O que diz muito sobre este lugar.
 
Nota: em Cabo de la Vela dormimos na hospedagem Apalanchii e pagámos mais 20.000 para dormir no quarto, com casa de banho com autoclismo e chuveiro (mas tomámos banho nos duches partilhados).
Em Punta Gallinas dormimos no Luz Mila, que também era mais 20.000 (sempre por pessoa) por um quarto com várias camas, mas que era só para nós, sem autoclismo e sem duche. A água mal dava para lavar os dentes.
Marcámos a viagem com a MagicTours, ficou-nos a 450.000/ pessoa, com tudo incluído. Se pagarmos mais 10.000 temos direito a lagosta em qualquer refeição. E vale a pena, porque o peixe é sempre frito.
É preciso marcar viagem com antecedência, porque só saem se tiverem número mínimo de pessoas.
Não é fácil ir sem guia - não dá para ir de autocarro. O guia indica todos os pontos para ir, desde fazer praia a ir ver o pôr do sol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário